sábado, 21 de abril de 2012

Parte 17

21 de abril
Por volta de 22:00

Catarina e Luiz formavam a segunda dupla, que seguiu rumo ao corredor da esquerda.

Estava escuro. Quando chegaram ao pátio naquela noite, Catarina reparara que a lua estava enorme, reluzente. Pensou consigo mesma que seria mais fácil, uma vez que ela iluminaria todos os corredores, repletos de pequenas janelas.
Mas agora a lua parecia ter ido dar uma volta por outros territórios.  Ela não se lembrava de ter nuvens no céu aquela noite. De qualquer forma, estava escuro demais, a ponto dela precisar da lanterna para enxergar o rosto do amigo ao seu lado.
Luiz observava a escuridão como alguém que observa uma obra de arte. Estava concentrado, como era seu normal, porém Catarina podia ver algo diferente em seu olhar. Ele parecia ali, mas parecia distante ao mesmo tempo.
- Luiz... - ela começou.
- O que foi Cat, está com medo?
- Não é isso... Não acha estranho não ter luar algum? estamos no breu total...
- Acho que não... As janelas são pequenas, e a lua deve estar do outro lado agora.
- Mas mesmo assim...
- Bobagem Cat, temos lanternas, Walkie-talkies e um mapa. Não se preocupe.

Seguiram pelo corredor escuro e gelado. Aquele lugar parecia não ver luz do sol há anos. Sentiam-se em uma caverna. Cat olhava com a lanterna para dentro das salas, através das pequenas janelas de vidro das salas. Luiz sempre olhando em frente.
- Acho que deveríamos entrar em algumas delas. - Ela disse.
- Tem razão. Vamos entrar nesta.
Luiz foi em direção a uma porta, cuja tinta havia desbotado há muito tempo. A janelinha estava suja e embaçada, não permitindo ver coisa alguma lá dentro. Colocou a mão na maçaneta fria e empurrou. A porta se abriu com um gemido espectral, que encheu o corredor de ecos, que fizeram a nuca de Cat se arrepiar.

Luiz entrou primeiro, seguido de Catarina. As luzes das lanternas se dispersavam pela sala, oferecendo aos seus olhos vultos que pareciam fantasmas feitos de lençol, envoltos por escuridão. Cat deu um gritinho agudo, que incomodou os ouvidos do amigo, mas logo percebeu que o que via eram apenas móveis velhos cobertos por panos brancos, que os protegiam da poeira.

A sala era grande, e as janelas eram tapadas por tábuas. Somente as lanternas lançavam sua luz sobre as coisas, dando ao local um ar ainda mais espectral do que seria comum.

Cat vasculhava um canto da sala, enquanto Luiz se preocupava com o outro lado. Levantavam tecidos para ver o que havia embaixo, mas não encontravam nada especial. Cat encontrou uma boneca antiga, estranha e sombria, mas ignorou. Passou ao lado de uma estante e viu, nas sombras que a lanterna fazia, algo peculiar. Foi até lá e percebeu que havia uma porta camuflada na parede. Tentou abri-la, mas sem sucesso.
Era uma porta simples, de madeira pintada de branco, mas, assim como tudo mais naquele lugar, gasta com o passar dos anos. Chamou Luiz para ajudá-la, mas a porta não cedeu.
Ficaram curiosos para saber o que tinha lá, mesmo não entendendo exatamente o motivo de tal curiosidade, afinal, era apenas uma porta. Mais uma naquele lugar que parecia não ter fim. Procuraram por um tempo por alguma chave, mas não encontraram nada.

Quando já estavam por desistir da busca, uma sombra pareceu passar no corredor, olhando para dentro da sala pela fresta da porta entreaberta.
Cat viu num relance aquele vulto negro, mais negro que a própria escuridão da sala onde se encontravam, mas estava tão escuro que não sabia se era real ou fruto de sua imaginação assustada.
De qualquer forma, decidiu verificar.

Voltou-se em direção à saída, abrindo bem os olhos e tomando cuidado para não tropeçar em nada, sem tirar a atenção do corredor. Luiz chamou-a, mas ela fez apenas um sinal com a mão, como que para ficar em silêncio, e continuou andando lentamente. Chegou por trás da porta e tentou olhar pela janelinha embaçada. Lá de fora o vulto de uma criança a observava, Ela podia ver perfeitamente, mesmo no escuro.

E então aquele riso. Um riso como ela nunca ouvira na vida. Um riso apavorante, fino, mas ao mesmo tempo com uma força capaz de paralisar as pessoas mais valentes. Ela não conseguia se mexer. Luiz a chamava, mas ela parecia não estar mais ali. Sabia que estava lá, mas seu corpo simplesmente não respondia.

Sentiu Luiz sacudi-la, e então ouviu passos. E uma voz indefinível ao longe, no corredor. A criança, então, saiu correndo. Ela não podia mais vê-la, mas ouvia seus passinhos leves se afastando pelo corredor, saltitando rápido, em direção à voz mais recente.

Tudo se passou muito rápido, e o que pareceu uma eternidade depois, ela voltou de seu transe, sentada em uma cadeira velha, com Luiz na sua frente, olhando preocupado. Não sabia ainda o que vira, mas sabia que nunca, em toda sua vida, sentira um pavor tão intenso. Seus braços e pernas ainda não respondiam, e quando Luiz perguntou se ela estava bem, ela ouviu sua própria voz dizer, mesmo não tendo pensado em dizer aquilo: - Vão embora!








Parte 16

21 de abril
23:30

Estamos voltando para o ponto inicial, o local de onde nos separamos do resto da equipe. Desta vez estamos caminhando mais rápido, sem entrar nas salas, de forma a otimizar tempo. Conforme nossos passos aumentam de velocidade, os passos que nos seguem faz o mesmo. Tentei tirar fotos, mas nada apareceu. Porém, a atmosfera está mudando, parece que esfriou mais e a suave neblina ocupa ainda mais o lugar, dificultando nossa visão até com as lanternas. Agora pouco Renan jurou ter ouvido alguém sussurrar em seu ouvido. Uma voz suave, feminina. Achei que estivesse impressionado, pois o ambiente é muito sugestivo... Quem sabe.

Mas agora as coisas começaram a ficar ainda mais estranhas. A maldita boneca que nos observava na sala, quando viemos... Ela está sentada no corredor.

Lembro-me muito bem que a sala em frente a ela é a mesma sala onde a vimos na primeira vez, pois decorei o número: 96. Entramos, na esperança de encontrar outra boneca, sentada ali, mas ela não está mais lá.

Renan se perguntou se alguém está brincando conosco. A esta altura, estou começando a achar pouco provável. Realmente, se for uma brincadeira, está dando certo, estamos começando a ficar assustados.

Há poucos minutos, começamos a ouvir um choro baixo, suave, de menina. Chamamos, mas ninguém respondeu, porém, o choro pareceu ir se distanciando aos poucos.Olhamos para fora, e nada havia lá. Nada mesmo, nem a maldita boneca.

Tentei chamar os outros pelo rádio, mas só temos estática. Renan, aparentemente tão ou mais nervoso que eu, gritou pelos outros, mas nada aconteceu. As janelas das salas estão vedadas com tábuas, coisa que não havíamos reparado. Vamos continuar andando, agora mais rápido, a caminho da recepção. 




Parte 15

21 de abril
22:00

Faz mais ou menos duas horas desde que começamos. Renan e eu seguimos pelo corredor da direita, e ele parece não ter fim. Entramos em várias salas, e todas elas parecem iguais. Pilhas de papéis empoeirados, uma mesa de madeira ao centro e algumas estantes, nada muito além. 
Em uma das salas, porém, encontrei uma boneca velha sentada na poltrona. Tinha o tamanho de uma criança de dois anos, cabelos embaraçados e um vestido puído. Tive a impressão de que seus olhos vidrados nos seguiam enquanto nos movimentávamos procurando por algo naquela sala escura e cheirando a umidade. Não gostei de sensação, de forma que pedi a Renan que saíssemos.

Caminhamos mais um pouco pelo corredor. Todo o prédio está muito mal cuidado, mas em algumas partes tudo parece estar mais destruído. O corredor é muito escuro, muito úmido e as paredes estão escuras e descascadas. Em algumas partes dá para ver os tijolos. Achei muito estranho o fato de que não conseguimos ver a lua sequer uma vez, nem ao menos o brilho dela entra pelas frestas das pequenas janelas que ficam acima de nossas cabeças. O céu parece estar limpo, só que muito mais escuro. Sem as lanternas, não conseguiríamos enxergar nada.

Caminhamos com cuidado para não esbarrarmos em nada. Renan carrega uma câmera portátil, e eu um aparelho que trouxemos para leitura de voz. Tudo está silencioso, exceto pelos nossos passos, e por outros que começamos a ouvir meia hora atrás, depois que saímos da tal sala da boneca. 
No começo achei que eram os ecos de nossos próprios passos, mas agora percebemos que parece haver uma terceira pessoa conosco. Estamos ouvindo claramente, mas não vemos nada, absolutamente nada se movendo, além de nossas sombras se projetando na luz das lanternas.

Agora estamos sentados dentro de uma das salas gêmeas deste corredor. Todas se encontram do lado esquerdo, uma vez que o lado direito tem uma parede que separa o corredor do lado de fora. Tentar olhar por uma das janelas, mas estão muito altas. Estamos andando vagarosamente e nos demorando dentro dos aposentos, mas mesmo assim tenho a impressão de que este corredor é muito maior do que o mapa descreve, e também do que podemos ver do lado de fora. É uma sensação alucinante.

Depois de conversarmos sobre isso, Renan e eu resolvemos voltar. Não sabemos quanto tempo ainda demoraremos para chegarmos ao fim, e nem sequer sabemos o que tem lá. Deve haver alguma sala igual a todas as outras.

Quanto a aparições, não vimos, ouvimos ou sentimos nada, com exceção dos passos que ainda nos perseguem...






Parte 14


21 de abril
VISITA NOTURNA 

20:00
Chegamos faz pouco tempo. Já nos organizamos com os equipamentos. Vamos dar uma olhada geral e depois formar duplas. Aqui dentro, no escuro, as coisas são diferentes. Um vento muito frio está circulando pelo prédio, e o ar está denso, parece repleto de névoa, mas não sei exatamente dizer o que é. Passamos pelo portão de ferro, que range de forma monótona o tempo todo. O pátio central é tomado de um silêncio espectral. Demos uma rápida volta em torno. A noite é escura como a morte, sem lua. Adentramos o pátio interno, passando pelas arcadas principais, e ultrapassamos a grande e pesada porta de madeira que dá para a antiga recepção do prédio. Nele, olhamos para várias direções. Este prédio enorme parece não ter começo nem fim. De cada lado da recepção, um corredor segue, como que eternamente, suas próprias direções. No centro, o balcão de madeira ainda parece exalar vida. Consegui encontrar alguns poucos papéis nas gavetas da bancada, mas nada excepcional. Somente algumas receitas muito antigas, e também um par de algemas. Estranho encontrar objetos de épocas tão diferentes juntos em um mesmo lugar.

De trás das bancadas, seguem dois corredores menores, e, paralelas a eles, duas grandes escadas levam ao primeiro andar. O desenho do prédio não muda muito nos outros andares. Creio que o térreo tenha sido, em ambas as épocas de sua vida, a parte administrativa, enquanto os andares superiores guardavam seus presos, pois as "selas" começam a partir do primeiro andar.

Estou com um mapa do prédio em mãos, do qual tirei cópias. Após dividir os grupos, ou melhor, duplas, cada um vai seguir pelo térreo. Depois começaremos a subir.

Renan está terminando o ultimo cigarro. Ele não parou de fumar desde que saímos. Não quer demonstrar, mas sei que também está com um pouco de medo.

As garotas não escondem. Estão ansiosas. Os outros rapazes estão mais animados.

As câmeras estão com suas baterias carregadas, assim como as lanternas. Temos câmeras normais, de visão noturna, medidores EMF (de campo eletromagnético), gravadores digitais (para gravarmos fenômenos de voz eletrônicas), termômetros eletrônicos (para medir temperatura), detectores de movimento, entre outras quinquilharias fascinantes para procurar espíritos. Gostamos muito de nossos "brinquedos", e quando começamos a distribui-los, passamos a ficar mais animados que assustados.

 Já mexemos com isso outras vezes, mas esta é especial. Isto aqui é grande. Este lugar é incrível (e mortal).

É hora de começarmos a ação.



Parte 13

21 de abril
14:00

Sabe quando você acorda de um sonho ruim? Com aquela sensação de peso nos ombros, o suor gelado, a respiração ofegante... Então você descobre que era apenas um sonho e volta a dormir tranquilamente...

Eu me senti assim saindo daquela capela, mas a sensação de alivio não apareceu...

Saímos correndo daquele lugar, parecendo um bando de garotos assustados. Chegamos em nossas acomodações mais rápidos que um raio.

Eu quase morri! puta merda!


Não tivemos vontade de fazer mais nada o resto do dia. A equipe está assustada, creio que agora não dê mais pra negar que há algo estranho aqui, muito estranho.

Nós nunca costumamos dar muita importância a certas coisas, até que elas resolvam colocar em risco nossas vidas.

Resolvemos, então, descansar e esfriar a cabeça. ainda temos alguns dias aqui, e se voltarmos sem terminar o serviço, minha imagem e de minha equipe ficarão queimadas  alem do mais, estavamos todos muito animados e não podemos desistir só porque estamos um pouco assustados. Nós já trabalhamos com este tipo de coisa antes mas... Minha nossa, nada como isso!

Mesmo com o todos os sustos ainda sinto aquela mistura de euforia com um certo receio.

O restante do dia foi calmo, sem nada que nos recordasse aquele começo de tarde sobrenatural. Nossos animos se acalmaram ao entardecer, e logo o pessoal se animou de novo e começou a combinar nossa proxima visita.

A visita noturna ao predio principal já esperou muito. Ainda estou com um pouco de medo, até mais que os outros, pois foi minha vida que quase foi para o saco, mas não quero decepcioná-los, nem dar pra trás agora. Iremos hoje a noite. Já estamos nos preparando.

Enquanto isso, estou pensando como voltarei à capela para pegar a faca suja de sangue que ficou lá, abandonada... (Talvez a espera de um novo dono)

*-*-*-*-*

17:00
Está chegando a grande noite. Os ânimos estão exaltados, e há um certo peso no ar. Talvez nenhum de nós esteja totalmente certo do que iremos fazer, mas vamos de qualquer forma.

Eu sei, parece exagero, mas a sensação de estar sozinho em uma ilha sinistra e com esta fama, com um grupo seleto de pessoas, sem  civilização por perto, e com estas coisas estranhas acontecendo é algo indescritível.

Ficamos acordados até tarde ontem combinando o que faríamos hoje, e acabamos levantando muito tarde.  Parece que as coisas se acalmaram por aqui, pois tivemos outra ótima noite de sono.

Descansamos, nos organizamos, nos alimentamos bem, e logo partiremos com nossos equipamentos especificos para caçar assombrações.

Espero que estas sejam mais receptivas.

Estou tomando umas cervejas para relaxar. ERIC ja fumou uns três maços de cigarros e os outros estão agitados. Seja o que for, já que estamos no fogo, vamos nos queimar. Só espero que não nos queimemos muito.

Se não tiver mais nada escrito, talvez eu não esteja mais vivo. Haha!

Não sei porque, mas essa frase me provocou um certo calafrio...



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Parte 12

20 de abril
22:00

A CAPELA

Os documentos que encontramos a respeito da tal capela nos deixaram ainda mais ansiosos para conhecê-la. A historia do padre que matou as freiras e cortou os próprios pulsos nos deixou com vontade de acharmos algo que comprove o incidente. Provavelmente este pobre homem, tendo visões sobre espíritos malignos, e sem ter alguém que o amparasse ou que acreditasse nele, se viu sem saída e enlouquecera, vindo a acabar com sua vida e com a vida das irmãs. Ou será que outra coisa o obrigou a fazer isto?

Saímos por volta das 13:30. A tarde estava ensolarada e uma leve brisa agitava as folhas das arvores, de forma a nos proporcionar uma tarde relaxante. Caminhamos sem pressa, conversando descompromissadamente, falando sobre coisas banais.

Chegamos aos arredores da capela depois de algum tempo. O ar estava mais fresco, por conta da quantidade maior de arvores e plantas. Havia um pátio em frente ao prédio, já quase coberto pelo mato. As portas estavam seladas por uma grossa corrente, e alguns vitrais estavam quebrados, deixando os pássaros circularem livremente. Haviam ramos compridos de trepadeiras se espalhando por toda a fachada, e as paredes tinham perdido sua cor, deixando à mostra apenas uma cor apagada e mofada, com alguns pedaços faltando, por conta da falta de manutenção e exposição ao tempo.

Demos uma volta ao redor do local. Nos fundos, bem escondido entre o mato e as arvores, havia um pequeno barraco de madeira, onde, provavelmente, guardavam os materiais de limpeza e ferramentas, entre outros, anteriormente. Estava caindo aos pedaços, e com algumas madeiras faltando. A porta estava semi-aberta, e o vendo a fazia ranger de leve, causando-nos um leve arrepio na primeira vez que ouvimos.

Dentro dele estava quase vazio, exceto por uma ou outra ferramenta enferrujada, alguns baldes de ferro antigos, e pequenos animais que se aninhavam ali.

Demos o restante da volta e fomos tentar abrir as portas, com ajuda de algumas ferramentas. As meninas já estavam se adiantando, e terminamos o trabalho.

Após a queda da corrente, a pesada porta de madeira se abriu levemente. Empurramos um pouco, e um rangido alto estremeceu de leve o local vazio e silencioso. Um ar abafado e velho nos assaltou. Demos uma olhada lá dentro, e o local parecia ter sido esquecido pelo tempo.

Nos separamos para explorar melhor todo o local. Os bancos de madeira continuavam ali, imoveis, perdidos em um tempo que não voltaria mais, como se esperassem que as portas se abrissem novamente e que as pessoas se ajoelhassem para orar. Algumas estátuas descascadas de santos pareciam nos olhar com seus olhos de pedra. O largo altar era imponente, como os altares de todas as igrejas que já vi em minha vida. De trás do altar, um grande crucifixo reinava, testemunha muda de algo que talvez tenha acontecido, mas que não podemos saber com certeza.

Os vitrais quebrados davam um ar místico ao local, e o silêncio nos deixava quase amortecidos.

Parei diante do altar, e pedi a Marcelo que ligasse a câmera. Eu estava me sentindo sonolento, pesado, e os outros pareciam ter a mesma sensação. Todos, exceto nós dois, sentaram nos bancos e observavam o grande altar, como que nostálgicos e extasiados. Enquanto eu estava ali parado, sem saber como, exatamente, ia começar aquela filmagem, e Marcelo brincava distraidamente com a câmera, um bando de pássaros saíram voando pela janela, o que nos tirou do torpor, e nos trouxe de volta à realidade.

Algo fez um barulho ensurdecedor atrás de mim. Quando me virei, assustado, a grande cruz de madeira tinha se desprendido da parede e caído em cima do altar, a menos de um metro de mim. Ouvi Marcelo gritando "cuidado" e os outros soltando um grito, como se estivessem muito longe de mim.

Quando chegamos perto para levantar a cruz e deixá-la em pé, recostada à parede, vi que o altar tinha se rachado ao meio. Levantei a toalha encardida e desgastada que cobria a madeira, e vi, embaixo, algo que nos fez desistir de filmar e ir embora dali: uma faca enferrujada, toda suja com o que parecia ser sangue seco.





Parte 11

20 de abril
13:00

Estamos aqui há quase uma semana, e parece que faz muito mais tempo. Não sei explicar o que anda acontecendo. Eu custei a acreditar que havia algo sobrenatural na ilha, mesmo sabendo que nosso objetivo aqui é exatamente este... É aquela coisa: você quer, e ao mesmo tempo não quer que seja verdade.

Não sei, afinal, se estou feliz ou preocupado com a situação. Acredito que as duas coisas ao mesmo tempo. Coisas estranhas estão acontecendo, e isso é inegável. Os outros acham a mesma coisa. Conversamos um pouco antes de dormir ontem à noite, e chegamos à conclusão de que as coisas não são normais, de que já ultrapassaram os limites da "força do pensamento" ou "auto-sugestão".

Alguns estão mais receosos, enquanto outros estão mais excitados com a experiência. Acreditamos que, se estamos juntos, e se nada de ruim nos aconteceu até agora, é porque estamos seguros. Isso me animou bastante. O apoio desse pessoal é muito fortalecedor para mim.

O que me animou, também, é o fato de que esta noite, finalmente, dormimos tranquilamente. Nada de barulhos estranhos, ou de sonambulismo, ou ainda de sonhos premonitórios. Descansamos muito, e dormimos muito bem. Com certeza o cansaço estava me deixando desanimado, mas agora estou com as baterias carregadas de novo.

Levantamos mais tarde do que o normal, e tomamos um café reforçado. Pedi ao pessoal que me ajudassem com aquela montanha de papeis que recolhemos outro dia, para fins de pesquisa, e que focassem na tal capela que vimos ontem. Ainda falta muita coisa para ver, mas aos poucos a gente deixa isso em dia.

Encontramos coisas muito interessantes a respeito dela. O que não foge ao padrão, pois a cada dia descobrimos mais historias loucas e irreais.

Pode parecer clichê, algum tipo de cena barata retirada de um filme trash antigo, mas a verdade é que estas informações realmente estão nestes papeis velhos e cheirando à mofo, estragados com o tempo. Tudo o que  visitamos estes dias, tudo o que os relatos que estão em nossa pasta afirmam, todas as nossas experiências, e muito mais que isso, podem ser confirmados nestes vários papéis que encontramos fechados em gavetas e esquecidos com o tempo, nestes prédios abandonados.

A capela fora construída pouco tempo depois do presídio ser levantado. Diziam que isto afastaria os espíritos maléficos que assombraram, anteriormente, o local. Talvez tenha dado  um pouco certo, ou não. A questão é que ela funcionou muito bem, sendo preservada fechada na época em que o presídio foi fechado, e reativada quando instalaram aqui o sanatório.

Aqui residiam um padre e duas freiras, que auxiliavam nos serviços da capela. Mais ou menos na época dos registros do diário da enfermeira que via mortos, que eu li outro dia, o padre começou a alegar ver espíritos malignos ao redor da capela.

O tempo foi passando, e ninguém cria nele. As freiras tentavam cuidar para que seus relatos não alarmassem as pessoas, mas de nada adiantou, pois ele ia ficando cada dia mais histérico.

Um certo dia, após fecharem a capela, ele chamou as freiras para uma "reunião". O que resultou desta reunião foi apavorante. No dia seguinte, quando um dos zeladores da ilha foi abrir a capela, encontrou as freiras mortas a facadas e o padre com os pulsos cortados. Provavelmente matara as duas e se suicidara em seguida.

A capela foi fechada, e isto começou a deixar as pessoas desconfortáveis. Depois de tantas mortes, os funcionários começaram a ficar um pouco receosos.

Decerto, após um tempo as coisas começaram a piorar, e os loucos passaram a ser mais sãos que os que cuidavam deles.

 Sinceramente, não sabemos exatamente como e quando este sanatório foi fechado. Tudo o que encontramos até agora só nos mostra que coisas iam acontecendo cada vez mais, mas não descobrimos ainda como tudo terminou. Nem mesmo as pessoas que conhecem a historia local sabem dizer exatamente.

Chegou a hora de visitarmos a tal capela. Quero chegar ainda hoje e ver mais um pouco dessa papelada. Acho que amanhã iremos para a nossa exploração noturna no prédio principal.